Textos do Autor |
Ricardo Henrique Alves da Silva Rogério Nogueira de Oliveira O
desastre aéreo que recentemente ocorreu no Brasil nos leva a refletir a
respeito do nosso papel enquanto cirurgiões-dentistas e na capacidade que temos
de auxiliar nos trabalhos de identificação humana. A profissão odontológica
foi construída no decorrer dos tempos, primeiramente exercida por sacerdotes e
médicos para, a seguir, ser relegada às mãos de charlatões, até encontrar
um segmento profissional que se dedicasse a ela1. E o aparecimento da
disciplina de Odontologia Legal ocorreu somente na edição da grade curricular
estabelecida pelo Decreto nº. 19.852, editado em 1931: “1º
Ano – anatomia, fisiologia, histologia e microbiologia, metalurgia e química
aplicadas. 2º
Ano – clínica odontológica (1ª cadeira), higiene e odontologia legal, prótese
dentária, técnica odontológica. 3º.
Ano - clínica odontológica (2ª cadeira), patologia e terapêutica aplicadas,
prótese buco-facial, ortodontia e odontopediatria.”
Desde então, esta especialidade odontológica não parou mais de se
desenvolver, demonstrando, nos últimos tempos, uma notável maturidade científica
e profissional. A
Odontologia Legal é definida, de acordo com a Resolução CFO 63/2005 como a
especialidade que tem como objetivo a pesquisa de fenômenos psíquicos, físicos,
químicos e biológicos que podem atingir ou ter atingido o homem, vivo, morto
ou ossada, e mesmo fragmentos ou vestígios, resultando lesões parciais ou
totais, reversíveis ou irreversíveis. Desta
forma, abrange as seguintes áreas de competência: Identificação humana; Perícia
em foro civil, criminal e trabalhista; Perícia logística no vivo, no morto, íntegro
ou em suas partes em fragmentos; Perícia em vestígios correlatos, inclusive de
manchas ou líquidos oriundos da cavidade bucal ou nela presentes, dentre
outras.
Sendo assim, uma das áreas da Odontologia Legal mais conhecida e que
melhor exemplifica esta evolução da ciência odontológica é a Antropologia
Forense, passando das etapas de simples observações e chegando, atualmente, a
sofisticados testes laboratoriais, incluindo exames genéticos.
A Antropologia Forense é a aplicação prática ao Direito de um
conjunto de conhecimentos da Antropologia Física visando, principalmente, às
questões relativas à identidade médico-legal e à identidade judiciária ou
policial. É importante ressaltar a diferença, na atuação pericial, entre os
termos reconhecimento (realizado de forma empírica, através de observações
feitas por familiares e amigos) e identificação (aplicação de conhecimentos
técnicos e científicos). Há
vários métodos aceitáveis de identificação humana, cada um com as suas
potencialidades e limitações. Historicamente, as impressões digitais têm
sido usadas para identificação, porém em situações como ação do fogo,
mutilações e processos de decomposição, são facilmente destruídas. A análise
antropológica pode prover informações úteis quanto à estatura, raça, gênero,
mas não produz a identificação individual. Já a identificação através de
exames genéticos é uma importante e confiável ferramenta, mas também tem a
necessidade de um registro anterior ou algum descendente3.
Desta forma a identificação humana post-mortem é uma das grandes áreas
de estudo e pesquisa da Odontologia Legal e da Medicina Legal, haja vista que as
duas ciências trabalham com o mesmo material, o corpo humano em várias condições
(espotejados, dilacerados, carbonizados, macerados, putrefeitos, em esqueletização
e esqueletizados), buscando estabelecer a identidade humana6.
Devido ao fato de todos os seres humanos possuírem uma identidade em
vida, a sociedade requer que esta identidade seja reconhecida após a morte,
seja para o conforto dos familiares da vítima ou para a resolução de questões
jurídicas9. Neste sentido, os dentes revelam-se fatores importantes
na identificação e na criminologia devido à elevada probabilidade das
características dentárias jamais serem as mesmas em duas pessoas quaisquer,
bem como pelo grau relativamente alto de resistência física e química da
estrutura dentária5.
Sabe-se que os dentes são os componentes mais resistentes (mineralização)
do corpo humano devido ao esmalte dentário, o que permite uma elevada resistência
a condições adversas que podem degradar o DNA. No dente, a polpa dentária e a
dentina podem ser usadas como fontes de DNA4. Devido a esta resistência
natural dos tecidos dentários a alterações ambientais, tais como incineração,
imersão, traumas, mutilação e decomposição, os dentes representam uma
excelente fonte de DNA e, quando os métodos convencionais para identificação
dentária falham, este material biológico pode prover a relação necessária a
fim de obter a identidade8.
Atualmente, existem três tipos de identificação onde se utilizam
caracteres bucais, sendo que, dois deles têm sido usados por muitas décadas e
configuram-se como responsabilidades primárias do odontolegista. O primeiro é
denominado de identificação dentária comparativa e envolve a comparação dos
registros in-vivo e post-mortem; o
segundo, composto pela reconstrução do perfil dentário post-mortem, é usado
em casos onde não há suspeita de quem pode ser a pessoa ou seus descendentes
e, o terceiro, trabalha na aplicação das modernas técnicas de perfil de DNA a
fim de se estabelecer a identidade9.
A aplicação de técnicas envolvendo o DNA em Odontologia Legal oferece
uma nova ferramenta quando métodos usuais falham devido aos efeitos do calor,
traumatismos ou processos autolíticos7. No entanto, não é só nos
dentes que podemos obter material genético para análise, há várias fontes de
evidências biológicas, dentre elas, sangue, sêmen e saliva humana2.
Portanto, quando observamos notícias de desastres aéreos (como ocorrido
recentemente), desastres naturais (tsunâmis, furacões e terremotos) e
atentados (como o World Trade Center), além da comoção e indignação
presentes em diversos momentos, devemos sempre pensar que somos profissionais
capazes de colaborar e, muitas vezes, solucionar a busca pela identidade humana! Referências
Bibliográficas 1.
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da odontologia enquanto profissão: uma revisão bibliográfica. Rev Bras
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